A madrugada no
acampamento indígena foi sem dúvida uma das piores da viagem. Isso
porque os
jovens moradores da comunidade passaram a noite toda bebendo ao lado do
quiosque onde eu estava. Fui conseguir cochilar somente por volta das 4
horas. Antes desse período fiquei o tempo todo atento a qualquer
movimento estranho.
Acordado no
interior da barraca eu escutava, involuntariamente, a conversa quase sem sentido daquelas
pessoas que se embriagavam. A todo instante era possível ouvir uma nova lata
de cerveja sendo aberta. Mais lamentável do que isso foi ouvir uma “amiga”
dizendo à outra; não quer aprender a fumar? A frase me fez refletir sobre as
verdadeiras amizades. Acredito que um amigo que deseja seu bem jamais apontaria
um caminho deste tipo. A outra pessoa, um pouco mais sensata, respondeu; nunca!
Também
conseguia identificar que em determinados momentos alguém solicitava para diminuir o
volume da música porque tinha um gringo “dormindo” na barraca. Mas a
advertência era ignorada e a festa continuava sem nenhum respeito pelas outras
pessoas. Comecei a pensar que certamente eu não era o único a ter dificuldades
para dormir, afinal, havia outras casas ao redor do quiosque, contudo, ninguém
se manifestou contrário àquele barulho inconveniente.
Após cochilar
quase duas horas, acordei naturalmente por volta das 6 horas da manhã. Para a
minha surpresa, os baderneiros ainda continuavam bebendo do outro lado da
rodovia. É realmente lamentável saber que a droga do álcool está presente em todos os
lugares, até mesmo aqueles mais remotos.
Desmontei
acampamento rapidamente, degustei meu simples desayuno e às 7 horas
estava preparado para começar a pedalar. Gostaria de registrar a parte
externa do quiosque, mas
com aquelas pessoas do lado de fora achei melhor fotografar apenas o
interior do local. Vale a pena destacar que, de modo geral, os indígenas
são amistosos e não negam ajuda,
contudo, tive a infelicidade de ter estar no lugar errado.
A notícia boa em meio a toda essa situação é
que eu estava prestes a começar o último dia de pedal na Venezuela, afinal, Santa Elena
de Uairén estava a menos de 50 quilômetros de Mapure. Desta vez dificilmente eu
não atravessaria a fronteira para retornar ao meu país.
O dia amanheceu
bonito e o sol mais uma vez brilhava forte. O caminho estava aberto para que
meu avanço final em território estrangeiro fosse concluído. Mas, para variar,
havia uma última série de subidas íngremes. Elas apareceram após a passagem
pela Quebrada de Jaspe, que por sua vez, está somente há quatro quilômetros de
Mapure.
Os aclives após
Jaspe não me pegaram de surpresa. Ontem, logo quando cheguei na comunidade
indígena onde passei a noite acordado, um senhor me avisou sobre as subidas da região,
contudo, também mencionou que na sequencia tinha um bom trecho de montanha
abaixo e que posteriormente o trajeto continuava plano até Santa Elena. E realmente
as informações se mostraram verdadeiras.
A subida após a
Quebrada de Jaspe foi uma das mais íngremes que enfrentei na Gran Sabana. A
inclinação muitas vezes fez o velocímetro marcar apenas 4 km/h durante o aclive
desgastante. Minha transpiração excessiva era parecida com aquela de quem corre debaixo
do sol do meio dia em pleno verão.Tenso!
No topo da
montanha o visual foi espetacular. Ainda restavam mais alguns quilômetros em
solo venezuelano, mas aquele momento serviu como despedida, afinal, a expedição
no exterior foi predominantemente nas alturas. Foram cinco meses somente na
Cordilheira dos Andes, ou seja, conquistar aquela ascensão e observar toda a
grandeza da Grande Savana foi um momento especial e quase indescritível.
Enquanto
registrava a beleza da savana do alto da montanha, pude observar a chegada de
dois ciclistas ao topo. Cumprimentaram-me rapidamente e seguiram com o
treinamento em um ritmo forte. Eu continuei meu caminho em direção à Santa
Elena. Desta vez a descida generosa era um bônus pela conclusão do esforço
anterior. Como é bom sentir o vento na cara e a incomparável sensação de liberdade.
Após a descida
o relevo se apresentou plano, uma raridade na savana. Aproveitei para
empregar um ritmo mais forte já que os fatores climáticos ainda estavam tímidos
e se não me ajudavam muito, pelo menos não atrapalhavam. Seguia tranquilamente
quando aqueles dois ciclistas passaram a me acompanhar. Claro que diminuíram a
velocidade para manterem uma rápida conversa. Fiquei surpreso ao saber que eram
de Santa Elena e que a cidade, apesar de pequena, tem vários adeptos do
esporte. Antes de seguirem para a conclusão do treino, eles confirmaram que eu encontraria leves
inclinações somente um pouco antes de chegar ao município em questão.
O trajeto plano
se manteve praticamente até a cidade de Santa Elena de Uairén, algumas
subidas
realmente surgiram, mas foi tranquilo completa-las. Com 47 quilômetros
pedalados eu estava onde desejava e que já era visualizada no horizonte.
Várias placas desejam boas vindas ao último município venezuelano antes
da fronteira com o Brasil.
O perímetro urbano
de Santa Elena de Uairén não demorou a aparecer e continuei por ele vários quilômetros. A
cidade é pequena, mas é muito maior e agradável do que eu imaginava. Não
cheguei a pedalar pela região central, no entanto, encontrei tudo que um viajante,
eventualmente, pode precisar, ou seja, o local pode facilmente servir como um
ponto de apoio. Como eu não necessitava de nada, apenas
segui a orientação das placas em direção à fronteira.
Os ciclistas
que encontrei na estrada afirmaram que eu não precisava pagar nenhuma taxa
para deixar o país, mas ainda assim eu continuei com os 100 bolívares na
carteira, caso a utilização não fosse necessária eu trocaria em Pacaraima, já
no lado brasileiro, onde me disseram que também realizavam o câmbio das moedas.
Santa Elena
estava bastante movimentada, sobretudo, com a presença de brasileiros que se
deslocam ao local para realizarem compras e abastecerem os veículos, a maioria
destes era de Boa Vista ou Manaus, sinal que a economia deve realmente valer a
pena. Vale destacar que muitos comerciantes brasileiros têm estabelecimentos na
cidade. Facilmente encontram-se fachadas em português ou com a bandeira do
Brasil.
Na saída da
cidade, debaixo de um sol escaldante, quase ao meio-dia, fui abordado por
um vendedor de sorvete que caminhava com seu carrinho na busca por clientes.
Ele perguntou se eu queria um helado, mas instantaneamente mencionei que estava sem
dinheiro, contudo, ele replicou dizendo que estava me presenteando e que eu poderia
pegar qualquer um do carrinho que teve sua tampa aberta para a minha escolha.
Fiquei realmente surpreso com a atitude e sem pensar duas vezes peguei um
picolé sem importar com marca ou sabor. Agradeci o vendedor que ainda me
parabenizou e desejou boa viagem. A hospitalidade e generosidade do povo
venezuelano me acompanharam até o final da minha estadia no país. Muchas gracias, hermanos.
A minha
planilha indicava que de Santa Elena até a fronteira ainda restavam 13
quilômetros, todavia, eu não tinha conhecimento de qual ponto da cidade o
Google Maps se baseava. E certamente não foi do início do perímetro urbano,
pois a distância em questão foi um pouco maior e somente quase 20 quilômetros
depois apareceu a aduana venezuelana.
A imigração do
lado venezuelano estava fechada para o almoço e abriria somente às 14 horas, ou
seja, eu deveria esperar 1h30m para registrar a minha saída do país, garantir
mais um carimbo no passaporte e finalmente voltar ao Brasil. Durante esse tempo
de espera observava o movimento de veículos no local. Os brasileiros que
somente se dirigem à Santa Elena não precisam apresentar nenhum documento, seja
pessoal ou do veículo, e por isso entravam e saiam do país sem maiores
dificuldades. A polícia apenas realizava uma rápida vistoria no porta-malas e liberava
a passagem.
Na imigração
conversei com algumas pessoas que ficavam curiosas ao ver a bicicleta carregada e também troquei
algumas palavras com um simpático casal brasileiro que informou a existência de
uma agência do meu banco em Pacaraima. Com a notícia eu não precisava trocar de imediato os
vinte dólares restantes, necessitava apenas cambiar a moeda venezuelana que
realmente sobrou já que nenhuma taxa foi cobrada para receber a autorização de
deixar o país legalmente.
Devidamente
pronto para sair da Venezuela, passei pela polícia que não realizou
nenhuma
vistoria na bagagem. Completava minha passagem pelo exterior sem ter
nenhum
problema nas fronteiras, seja com a documentação ou revista nos
alforjes. Maravilha! A visita à Venezuela foi a que teve maior duração,
foram 62 dias, 2.275 km pedalados e 2.220 reais gastos.
Metade desse dinheiro foi embora durante os 17 dias em que precisei,
obrigatoriamente, conviver com a exploração da cotação oficial.
Não precisei
pedalar muito e rapidamente cheguei à divisa entre os dois países, onde a
bandeira da Venezuela e Brasil tremulavam à beira da estrada. Muitas pessoas registravam
a passagem pelo local e eu não deixei de fazer o mesmo. Fiquei apenas surpreso
com o número de pessoas que vieram tirar foto comigo na presença da Victoria.
Parecíamos celebridades. (Risada sacana).
Após 236 dias
e 11,897 km pedalados no exterior, passando por Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela,
finalmente eu estava de volta ao meu país. A emoção de retornar ao Brasil é simplesmente indescritível.
A felicidade sem dúvida estampava meu semblante. Regressar ao território nacional
significava que a parte mais difícil da viagem estava concluida.
Quem acompanha
o diário de bordo sabe todas as dificuldades que apareceram pelo caminho, mas que
foram superadas com muita determinação, paciência e apoio incondicional da
família, amigos, conhecidos e desconhecidos das mais diversas regiões do Brasil
e também do exterior. Sem dúvida essa ajuda fez muita diferença para que a
Victoria e eu chegássemos até aqui. Por isso, aproveito a oportunidade para
agradecer de coração a todos vocês que me incentivaram, das mais variadas
formas, ao longo destes oito meses de viagem. Muito obrigado.
Na aduana
brasileira eu perguntei se precisava registrar meu retorno ao país, isto porque
eu ganhei um carimbo brasileiro no passaporte quando deixei o Brasil para
entrar na Bolívia. Mas me informaram que não seria necessário e então continuei
o pedal em direção à Pacaraima que fica a poucos metros da fronteira.
A cidade de
Pacaraima é pequena, mas tem de quase tudo, agências bancárias (Caixa,
Banco do Brasil, Bradesco, entre outras), restaurantes, padarias, hospedagens e
um significativo comércio. Em um primeiro momento procurei um lugar para trocar
a moeda venezuelana que ainda estava comigo. Achei uma pequena loja onde o proprietário
realizava o câmbio. Cem bolívares renderam quase dez reais. No local aproveitei
para colocar créditos no meu celular que voltou a funcionar depois de meses sem
sinal. Na sequencia fui procurar a pousada econômica que tinham me recomendado.
Pacaraima tem
uma avenida principal pela qual continuei até o final, onde, à esquerda, estava uma
pousada simples e talvez a mais econômica da cidade. O atendimento no
estabelecimento foi exemplar e a diária saiu por 20 reais, para o padrão
Brasil, estava barata. O quarto era pequeno, mas com banheiro decente e
ventilador, mais do que suficiente para meu descanso.
A tendência aqui no Brasil é que os gastos sejam ainda mais elevados,
sobretudo, com hospedagem e alimentação. Por isso, mais do que nunca,
precisarei de colaborações para manter a viagem até a volta para Foz do
Iguaçu/PR. As doações continuam sendo recebidas através da vakinha
online (veja aqui!) ou por meio de depósito em conta corrente (veja aqui!).
Não importa se você puder contribuir com 5,10,20 ou 100 reais. O que se
faz ncessário neste momento é a ajuda de qualquer valor para garantir
os gastos básicos nos próximos meses. Agradeço pela compreensão.
A parada
naquele momento (por volta das 14 horas) era estratégica porque entre Pacaraima
e Boa Vista são mais de 200 quilômetros e no caminho não existe nenhuma
cidade. E eu precisava repor meu estoque de comida, mandar notícias à família e amigos e matar a
saudade da comida brasileira. Por isso, logo após tomar um belo banho que,
diga-se de passagem, estava atrasado, fui a um restaurante nordestino quase ao
lado da hospedagem para almoçar. Mais uma vez o atendimento foi digno de quem realmente sabe
tratar com respeito as pessoas. A refeição estava divina, caprichada e com o
típico sabor brasileiro, custou oito reais. Bom demais estar de volta ao país.
Antes de voltar
à pousada passei em uma lan house para conferir o e-mail e na sequencia em um
supermercado para garantir o energético da viagem; bolacha recheada. Como é
estranho ver uma quantidade enorme de opções na prateleira. No exterior esse
alimento é bastante limitado e por vezes difícil de encontrar. Não hesitei em
comprar o mais barato, que, por sua vez, mostrou-se bastante saboroso.
De volta à
pousada eu estava preparado para descansar, não sem antes refletir sobre o
momento. Sempre gostei e valorizei o meu país, mas agora passo a valorizar
ainda mais. Claro que ainda temos muito que melhorar, contudo, sem dúvida me
sinto privilegiado por nascer e viver no Brasil. Quem tece criticas negativas
ao país geralmente são aqueles que não fazem nada para melhora-lo e não
conhecem a realidade dos outros lugares. Enfim, estou muito feliz por estar de
volta.
Dia finalizado
com 68,30 km em 5h25m e velocidade média de 12,57 km/h.
17/03/2013 -
252° dia - Pacaraima a Três Corações
Pedalando pela
primeira vez no norte do país.
Acordei por
volta das 6 horas da manhã, preparei meu desayuno, desculpa, meu café da manhã,
arrumei minhas coisas e antes de voltar para a estrada liguei para a minha mãe
informando sobre o meu retorno ao país. Na sequencia fui pedalar em território
nacional depois de muito tempo.
Eu tinha conhecimento
que a BR 174, estrada que faz a ligação Paracaima x Boa Vista não estava em
boas condições, com muitos buracos e sem acostamento, mas ainda assim pensei
que seria possível chegar na capital em apenas um dia já que o relevo, sobretudo, após
Paracaima, favorecia um deslocamento mais rápido, mas nem tudo foi conforme o
planejado.
Nos primeiros
quilômetros após Pacaraima uma placa informa a existência de buracos nos
próximos 90 quilômetros. Paciência! O declive que eu esperava realmente
apareceu, mas com a presença dos buracos e remendos na pista não foi possível
descer sem frear praticamente o tempo inteiro. Em contrapartida a descida mais lenta favoreceu a
observação da fauna e flora de uma extensa área que pertence, por lei, aos indígenas,
como lembram as placas pelo caminho.
Os vinte
primeiros quilômetros são com descidas acentuadas, depois a mesma distância
marca um sobe e desce com dificuldade intermediaria e algumas comunidades indígenas
ao lado da estrada. Após quarenta quilômetros o cenário muda e a floresta que
apresentava-se densa começa a ceder espaço para campos mais abertos e fica cada
vez mais difícil encontrar alguma casa e/ou qualquer outro ponto de apoio pelo
caminho que se destaca por um longo trecho plano.
Apesar do
relevo favorável, a velocidade média continuava baixa porque a temperatura elevada
dificultava meu deslocamento, mesmo com a melhora significativa da estrada que
passou a ter menos buracos após 80 quilômetros de muitos remendos mal feitos.
Era meio-dia e eu não tinha completado 100 quilômetros e por isso tinha
descartado a possibilidade de chegar à Boa Vista no mesmo dia. Passei a torcer
para aparecer alguma comunidade na estrada para montar acampamento no final da
tarde.
Enquanto
degustava umas bolachas, um automóvel parou no mesmo local e aproveitei a
presença do motorista para perguntar se existia algum restaurante na estrada.
Para a minha surpresa, havia, mas ficava 35-40 quilômetros de onde estávamos.
Não tinha opção, necessitava pedalar toda essa distância debaixo de um sol de
rachar e somente com bolacha no estômago. Avante.
Não demorou muito e outro veículo parou fora da pista e o motorista veio
conversar comigo. Durante o diálogo em claro e bom português o senhor
repentinamente me pergunta se sou brasileiro. Parecia algo
inacreditável. Antes me chamavam de gringo e agora no meu próprio país
me indagam se sou brasileiro. Já não sei de mais nada. Na dúvida vou
começar a responder apenas que sou um latino-americano. (Risada sacana)
Para melhor a
situação, na parte da tarde o vento contra apareceu e deixou o avanço ainda
mais difícil. O motorista de uma caminhonete me ofereceu carona ao me ver
pedalando naquele cenário nada propicio para a prática de exercícios físicos,
mas a ajuda foi recusada, era preciso seguir no pedal de qualquer forma. O pior é que
raramente aparecia uma sombra para um breve descanso.
A paisagem
estava completamente diferente daquela no início da manhã e a mata fechada
tinha definitivamente dado lugar a uma extensa área com uma vegetação rasteira. Ao lado da
estrada, muitos veículos queimados me fizeram questionar se eram consequência
de acidentes ou ação de bandidos, como ocorre na Venezuela.
As horas
passaram e para a minha felicidade, a quilometragem também. Às 16h30m cheguei
ao local onde havia o restaurante mencionado anteriormente. Na verdade tratava-se
de um pequeno povoado chamado Três Corações. Existem restaurantes e mercearias à
beira da estrada, contudo, não encontrei hospedagem, mas o importante no
momento era achar um estabelecimento que ainda tivesse comida. Por sorte
encontrei um modesto restaurante com buffet ao preço de 10 reais, contudo, o
arroz já tinha terminado, mas fiquei mesmo assim porque havia macarrão, feijão,
carne, linguiça e frango, tudo à vontade. Com a falta do arroz o preço caiu para 8
reais. Toda economia é válida e bem-vinda.
A minha fome
era enorme e por isso fui obrigado a repetir três vezes, não comia uma quantia dessas
há exatos oito meses, então podem imaginar a cena. Saí do restaurante com a barriga
muito cheia. Não voltei à estrada, achei melhor encontrar um lugar para
montar acampamento, afinal, não tinha muito tempo de claridade e o cenário desértico
continuaria até Boa Vista.
De longe, mas ainda no povoado,
avistei um galpão onde eu poderia montar minha barraca se tivesse a
autorização
do proprietário. O local ficava ao lado do restaurante e lanchonete
Monte Sinai cujo dono era o responsável pelo espaço desejado para
acampar. Conversei com ele sobre a viagem e
que precisava de um lugar somente para passar a noite e prontamente meu
pedido
foi aceito e a permissão concedida. Maravilha!
Antes de montar
acampamento fiquei sentado muito tempo do lado de fora porque não aguentava fazer nada por causa da barriga
cheia. Pensei que passaria mal, mas com o tempo a digestão foi realizada e no
final da noite eu já estava com fome de novo. Não vou nem comentar nada. (Risada sacana). Sei
que antes de dormir ainda assisti um pouco de televisão no restaurante e também
conversei sobre a região com o pessoal. Achei o povo bastante hospitaleiro e
educado por essas bandas. A primeira impressão foi muito boa.
Dia finalizado
com 118,30 km em 7h45m e velocidade média de 15,18 km/h.
18/03/2013 - 253°
dia - Três Corações a Boa Vista
Finalmente na
capital de Roraima, Boa Vista.
A noite foi
bastante quente na barraca e a transpiração foi inevitável.
O importante é que consegui descansar o suficiente para encarar a parte final
até Boa Vista, onde, apesar de ter conhecidos, ainda não tinha idéia de onde ficar pela
falta de comunicação. Mas comecei o dia com pensamento positivo de que tudo
sairia bem.
O pedal teve
início por volta das 7 horas da manhã e sem muita novidade em relação ao
dia anterior. Quatro quilômetros após Três Corações apareceu o único posto de gasolina da região e que
também pode servir de acampamento. Um restaurante no local pode matar a fome de
quem estiver pedalando pela região.
O trajeto plano
continuou desértico e a primeira casa à beira da rodovia apareceu com 47
quilômetros e na verdade tratava-se do Bar e Mercearia Lima onde fui muito bem
atendido e abasteci minhas garrafas com água gelada que neste momento era mais do que bem-vinda
em razão da temperatura alta.
As horas passaram e não demorou
muito para a fome bater forte na hora do almoço, mas eu já tinha colocado na
cabeça que, por falta de opção, a refeição seria realizada somente na capital. Para acalmar as
lombrigas eu degustava as bolachas em breves paradas. Foi em um destes momentos
que o mesmo senhor que ontem me ofereceu carona, passou e retornou para saber
se estava tudo bem. Ele me informou que tinha um restaurante que não estava
longe. Fiquei animado com a notícia e continuei em frente.
Na estrada, antes do restaurante, fui novamente parado, desta vez por um motociclista que apareceu repentinamente
e me fez uma pergunta inusitada. Questionou se eu já tinha almoçado e com a
minha resposta negativa, voltou a indagar se eu queria uma marmita. Não pensei
duas vezes em aceita-la. Segundo ele, poderia muito bem almoçar na faculdade e me
ceder sua refeição que ainda estava quente. Peguei a minha panela que rapidamente ficou
cheia de arroz, feijão e carne cozida. Fiquei extremamente agradecido e
mencionei que na primeira sombra pararia para almoçar.
A sombra
demorou a aparecer, mas para a minha surpresa, casas surgiram à beira da estrada
quando o velocímetro chegou à 67 quilômetros. Fui solicitar o espaço na área de
uma das residências somente para degustar a refeição recebida. O proprietário não viu
problemas e permitiu meu almoço. Percebi pela fisionomia que o dono não era
da região e ao questionar sua naturalidade me respondeu que era do Rio Grande
do Sul.
Ney vive com
sua mulher a mais de oito anos em Roraima. Atualmente é apicultor e a esposa trabalha como
professora na rede pública de ensino da capital. Conversamos bastante e meu almoço demorou mais do
que o esperado, mas são encontros como este que deixa a viagem ainda mais
interessante. Fiquei sabendo que muitos gaúchos vieram para a região com a
pretensão de plantar soja, mas o solo não favoreceu um resultado imediato e
muitos voltaram para o sul. Ainda assim, em Boa Vista, por exemplo, existe
muita gente com formação superior de outros estados que buscam melhores salário aqui no norte.
Sobre os carros queimados às margens da estrada, Ney explicou que são
resultados de acidentes e que muitos ficaram incendiados em razão do
contrabando de combustível do país vizinho. Atualmente a fiscalização é
mais rigorosa, todavia, até pouco tempo, muitos veículos passavam
carregados de gasolina oriunda da Venezuela e geralmente estavam
envolvidos nos acidentes.
Antes de voltar
à estrada ainda ganhei uma garrada com meio litro de mel. Uma energia a mais
para pedalar. Da casa do Ney em diante outras propriedades rurais apareceram
pelo caminho que passou a ser menos deserto na medida em que a capital ficava
mais próxima.
Com 82
quilômetros pedalados encontrei um simpático casal colombiano que viaja em uma
motocicleta pela América do Sul. Voltei a falar espanhol e vi o quanto foi importante
aprender o idioma. Trocamos telefones e endereços eletrônicos e não hesitei em
oferecer minha casa em Foz do Iguaçu para hospeda-los quando passarem pela
Terra das Cataratas. Gentileza gera gentileza.
De Três
Corações à Boa Vista são 100 quilômetros e quando me restava somente mais 10 para chegar na
capital eu liguei para uma amiga em Manaus para saber se ela havia conseguido
contatos que poderiam me receber em Boa Vista, no entanto, a resposta não foi
conforme eu esperava, mas ainda assim agradeci pela atenção. Fiz outra ligação, desta vez, para uma
amiga no Paraná porque seu irmão mora na capital roraimense, contudo, o telefone não foi
atendido. E agora, José?
Resolvi chamar pelo amigo cicloturista Kayo Soares que atualmente mora
em Manaus, mas a
família vive em Boa Vista. Eu tinha mandado um e-mail há algum tempo
informando
sobre a minha passagem pelo norte do país, contudo, a comunicação foi
comprometida e acabei perdendo contato e os números de telefone que eu
tinha já não
funcionavam mais, contudo, ontem, quando parei no restaurante Monte
Sinai, um
motorista estacionou seu veículo com uma MTB no suporte e me perguntou
se eu
conhecia o Kayo Soares. Fiquei surpreso com a pergunta e achei a
“coincidência” incrível e para a minha felicidade ele tinha recém
anotado o número novo do celular do amigo
cicloturista. E foi por esse telefone que eu consegui chama-lo antes de
chegar
à Boa Vista.
O Kayo não
mediu esforços para me ajudar e logo passou o endereço e as referências para
encontrar a casa de seu pai que concordaria em me receber. Fiquei
muito feliz com a notícia porque eu precisava realmente descansar por alguns
dias e nada melhor do que na casa da família de um amigo cicloturista. Desta
maneira continuei em frente.
Uma placa
desejava boas vindas à capital exatamente quando eu completava 100 quilômetros
pedalados. Mas eu precisei avançar muito mais para chegar a uma área mais movimentada
da cidade onde perguntava frequentemente sobre a melhor maneira de chegar ao
local desejado. Pedalei por uma boa parte de Boa Vista no horário de pico,
afinal, já era quase 18 horas. Mas para quem pedalou no trânsito infernal de Caracas,
aquele movimento era relativamente tranquilo. Precisava apenas continuar com atenção.
Boa Vista é a
única capital brasileira ao norte da Linha do Equador e com uma
população de
quase 300 mil habitantes. Particularmente achei uma cidade normal e sem
maiores
problemas no deslocamento com a bicicleta, inclusive, presenciei vários
ciclistas. Talvez a primeira impressão não tenha sido melhor em
razão da pavimentação que definitivamente não está em boas condições.
Obras
deixam a situação ainda mais delicada já que a poeira passa a tomar
conta das ruas e avenidas.
Pouco depois
das 18 horas estava na referência passada pelo Kayo que ao ficar sabendo da minha chegada ligou
ao seu pai Aluizio que minutos depois apareceu para me acompanhar até a sua casa onde
fui muito bem recebido por toda a família.
Dia finalizado
com 113,33 km em 8h27m e velocidade média de 13,38 km/h.
19/03/2013 - 254°
dia - Boa Vista (Folga)
Nada melhor do
que ser bem recebido por uma família e sentir-se em casa. A noite foi mais do
que tranquila e confortável. Foi possível descansar bastante a parte física que
necessitava de repouso, afinal, tive apenas uma folga no trecho nada fácil entre Caracas x
Boa Vista.
Para começar
bem o dia, o café da manhã tinha, entre outras coisas, cuscuz, que eu tive a
oportunidade de degustar pela primeira vez. Foi mais do que aprovado. Acho que
vou engordar durante os próximos três dias que devo permanecer aqui na casa
para atualizar o diário de bordo.
Aqui em Boa
Vista ainda pretendo trocar os dois pneus “carecas” da Victoria que, no final
das contas, foi mais uma vez guerreira ao conseguir chegar ao Brasil sem me
deixar na mão. E olha que abusei da minha companheira ao arriscar continuar com
os pneus em um estado bastante critico.
O restante do dia
foi praticamente todo dedicado ao diário de bordo.
20/03/2013 - 255°
dia - Boa Vista (Folga)
Dia dedicado à atualização do diário de bordo.
Hoje aproveitei
para ir à bicicletaria aqui nas proximidades da casa da família e para a minha
felicidade consegui encontrar o pneu Pirelli que tanto procuro desde o Equador
quando precisei trocar o pneu da desta marca que havia chegado ao limite.
Aqui na
excelente bicicletaria PP Peças no bairro Asa Branca em Boa Vista a surpresa foi muito além de achar a desejada marca,
encontrei um modelo que não é mais fabricado pela Pirelli, trata-se do BM-90 1.9 made
in Brasil e que atualmente foi substituído pelo Scorpion que vem dos países asiáticos,
mas que ainda assim se mostrou com um excelente custo x beneficio já que
precisei troca-lo após sete mil quilômetros.
Acontece que o
BM-90 é ainda melhor que seu sucessor, principalmente no que diz respeito a
durabilidade. Lembro que na Magrela Guerreira (minha outra bicicleta) o pneu
dianteiro chegou a rodar 10 mil quilômetros, ou seja, agora estou tranquilo
para retornar à Foz do Iguaçu sem precisar me preocupar mais com essa peça. Cada pneu,
com desconto, custou 25 reais. Também aproveitei e comprei mais remendos já que
os meus haviam terminado.
Pneu traseiro Maxxis Ignitor 1.95; rodou 3.791 km desde Bogotá/Colômbia. Detalhe; estava meia-vida quando ganhei ele.
Aqui na casa eu
continuo meu período de engorda, cada dia eu provo uma comida diferente; Vatapá;
um delicioso Dourado (peixe) com um preparo similar ao Escabeche; Baião-de-dois; Carne-de-sol
e; Paçoca (carne-de-sol com farinha). Todos os pratos foram degustados e
aprovados. Parabéns à Andréa que deliciosamente cozinhou essa culinária local.
21/03/2013 - 256°
dia - Boa Vista (Folga)
Dia dedicado
exclusivamente à atualização do diário de bordo.
22/03/2013 - 257°
dia - Boa Vista (Folga)
Dia dedicado à atualização do diário de bordo.
Hoje no final da tarde fui conhecer, na companhia da família Leão, a famosa Orla Taumanan que fica ao lado do também conhecido Rio Branco. O lugar é bem agradável, apesar de estar um pouco abandonado, mas ainda assim é um excelente passeio pela região central, onde também está a interessante Igreja Matriz. Pelas ruas e avenidas extensas pude ter um olhar diferente da cidade e muito mais interessante do que aquele da minha chegada à capital.
Hoje no final da tarde fui conhecer, na companhia da família Leão, a famosa Orla Taumanan que fica ao lado do também conhecido Rio Branco. O lugar é bem agradável, apesar de estar um pouco abandonado, mas ainda assim é um excelente passeio pela região central, onde também está a interessante Igreja Matriz. Pelas ruas e avenidas extensas pude ter um olhar diferente da cidade e muito mais interessante do que aquele da minha chegada à capital.
Orla Taumanan
Orla Taumanan
Rio Branco
Registro garantido!
Ponte do Macuxis ao fundo. Caminho para a Guiana.
Orla Taumanan
Monumento em homenagem aos pioneiros de Boa Vista.
Monumento em homenagem aos pioneiros de Boa Vista.
In foco.
In foco.
Com a Ana Paula e Juliana na frente da Igreja Matriz.
Igreja Matriz
Amanhã volto à estrada em direção à Manaus onde devo chegar em
aproximadamente 7-8 dias. Estou bastante animado para conhecer a
Amazônia e sem dúvida reservarei alguns dias para visitar a capital
amazonense e os povos ribeirinhos da região. Para a minha felicidade
tenho muitos amigos na cidade que já me convidaram a permanecer em suas
casas. Desde já meu sincero agradecimento pela hospitalidade, camaradas.
No mais, peço desculpas pela demora em atualizar o site, esses últimos
dias foram extremamente complicados para escrever e realizar novas
postagens. Espero que compreendam e aproveitem a leitura desta nova
atualização e não hesitem em deixar seus comentários.
Grande abraço.
"Hasta la Victoria Siempre"
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